Levantamento aponta que 19 tipos de câncer estão associados ao trabalho
Instituto Nacional do Câncer lista 19
tipos da doença associados a ocupações profissionais. A cada ano, surgem
pelo menos 20 mil casos.
Cigarro,
álcool e sedentarismo não encerram a lista de produtos ou hábitos
nocivos à saúde. Determinadas profissões também podem ser um fator de
risco para o surgimento do câncer.
O alerta foi dado ontem, às
vésperas do Dia Mundial do Trabalho, pelo Instituto Nacional do Câncer
(Inca). A entidade divulgou um levantamento relacionando 19 tipos de
tumores malignos às respectivas ocupações de risco (veja arte).
Na
estimativa mais conservadora, dos cerca de 500 mil novos casos da
doença diagnosticados no Brasil anualmente, pelo menos 20 mil têm
relação direta com o trabalho exercido pelo paciente. Substâncias
tóxicas que se acumulam no organismo por meio da respiração, do contato
com a pele ou via oral são o principal problema.
De cabeleireiros
que lidam com compostos tóxicos presentes em tinturas a pilotos de
avião expostos a campos eletromagnéticos, há dezenas de ocupações de
risco.
A coordenadora da área de câncer ocupacional do Inca,
Ubirani Otero, explica que a exposição de determinadas categorias de
trabalhadores a substâncias cancerígenas é apenas um dos fatores que
podem desencandear o aparecimento de um tumor.
"Há outras causas
que atuam juntas, como a alimentação ruim e o fumo. Mas o que estudos
no mundo inteiro já mostraram, e alguns poucos feitos no Brasil, é que
há um risco mais considerável entre esses profissionais", afirma a
médica.
Com o alerta, o Inca pretende estimular que pacientes e
médicos incluam a questão ocupacional nas entrevistas e registros de
diagnósticos.
"Nossa análise epidemiológica vai melhorar muito
se a ocupação começar a ser considerada, como muitos países já fazem",
afirma Ubirani.
Segundo a especialista, o Brasil ainda engatinha
nos estudos de campo com grupos específicos. "Temos pesquisas com
mineradores, pessoas da indústria, de siderúrgicas. Mas tudo muito
incipiente, por enquanto", diz a médica.
Com algumas exceções, as ocupações listadas pelo estudo são exercidas por pessoas simples e menos instruídas.
Para
Mário César Ferreira, do Departamento de Psicologia Social e do
Trabalho da Universidade de Brasília (UnB), os riscos a que estão
expostos os trabalhadores brasileiros, nos mais diferentes ambientes,
são um grande ponto de interrogação.
"Há vários fatores para
explicar essa lacuna nos nossos estudos, mas eu diria que, primeiro, o
Brasil é um país jovem, onde a tradição escravocrata não está assim tão
distante. Um segundo ponto é que o trabalho sempre foi visto mais sob a
ótica da economia e da rentabilidade e menos do bem-estar e da
felicidade" diz o professor.
"Na iniciativa privada, a cultura é
mais perversa ainda, no que diz respeito à relação entre trabalho e
saúde, porque qualquer queixa pode significar estar no olho da rua."
Cancerígenos
Na
lista de agentes cancerígenos apontados pelo estudo do Inca, até o Sol
pode ser um vilão. Ele aparece como um contribuinte importante no
aparecimento do melanoma entre carteiros, pescadores e pedreiros, por
exemplo. Mas a maior parte das substâncias mencionadas, entretanto, são
os compostos químicos tóxicos e, muitas vezes, invisíveis.
"O
trabalhador que aspira o amianto, usado na construção civil, é um
exemplo clássico de intoxicação. Outro caso, com a contaminação
ocorrendo por via cutânea, é o frentista do posto de gasolina, que fica
em contato com benzeno", enumera Ubirani.
Como forma de
prevenir, a médica propõe substituição de agentes cancerígenos por
outros menos prejudiciais. "São questões que ultrapassam a capacidade do
trabalhador."
Brenno Amaro da Silveira Neto, professor do Instituto
de Química da UnB, destaca, porém, que essa substituição demanda tempo e
investimento em pesquisa.
"Você pode ter uma substância menos
tóxica, mas que não funciona tão bem. Sem contar que a retirada de um
componente considerado tóxico não garante que o produto ficou menos
perigoso. A título de exemplo, podemos falar das tintas em base aquosa,
que são vendidas como ecológicas, embora precisem de muito mais
estabilizantes para funcionarem bem", diz o professor.
A
quantidade é outro ponto que Brenno destaca. "Não significa que basta
ser tóxico para fazer mal. A concentração daquela substância muda muito
os efeitos provocados. A morfina, em doses pequenas, é um analgésico, em
alta concentração é um depressor do sistema respiratório podendo levar à
morte", explica.
O que o professor de química sugere como forma
de evitar doenças é que os trabalhadores manuseiem os produtos de forma
adequada.
"É preciso administrá-los usando luvas, máscaras",
diz. Com isso, destaca Brenno, o profissional pode minimizar a ação
cumulativa dos compostos no organismo.
Ubirani, do Inca, ressalta
como um dos piores compostos presentes no ambiente de trabalho de
muitos operário o amianto, material usado para fazer telhas, caixas de
água e outros itens, principalmente na construção civil.
"Esta é
uma luta nossa para que o Brasil proíba, da mesma forma que fizeram
dezenas de nações no mundo, muitas inclusive vizinhas, como Argentina,
Chile e Uruguai", afirma a médica especialista em câncer ocupacional.
Ela
ressalta que até a água contaminada, em situações de trabalho muito
degradantes, pode elevar o risco de câncer do profissional.